domingo, 20 de setembro de 2009

Texto de aprofundamento 3


A Orientação Sexual como Sistema de Prevenção de Saúde


Diante de inúmeros problemas de saúde pública que poderiam ser contornados com projetos de prevenção adequados, fica evidente a necessidade de investimento em Orientação Sexual. De acordo com uma pesquisa do Instituto DataFolha realizada em dez capitais brasileiras e divulgada em junho de 1993, 86% das pessoas ouvidas são favoráveis à inclusão de Orientação Sexual nos currículos escolares. Apesar disto, somente 32% dos pais conversam sobre sexo com seus filhos e metade deles nunca chegaram a tocar neste assunto. Alguns anos antes, a Editora FTD realizou uma pesquisa enviando carta-resposta comercial para dez mil professores. Das cartas respondidas, 84,3% acham que não tiveram boa educação sexual ou a tiveram mais ou menos, contra 13% que se declararam satisfeitos. Para 42,8%, as pessoas mais procuradas para conversar eram amigos e colegas, sendo que somente 6,2% procuravam os pais ou orientadores da escola. A grande maioria declarou que não era permitido falar de sexo na escola onde estudara.

Diante desta realidade, "Guia de Orientação Sexual - Diretrizes e Metodologia", traduzido e adaptado do original "Guidelines for Comprehensive Sexuality Education", pelo Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual, Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS e Centro de Estudos e Comunicação em Sexualidade e Reprodução Humana, conclui que apesar de todos perceberem a sua necessidade, o trabalho de Orientação Sexual ainda é muito incipiente no país, mesmo que já se tenham passado alguns anos desde a realização destas pesquisas. De lá para cá, muito se avançou, principalmente com a conscientização de realidades muito duras, como a disseminação da AIDS, que provocaram uma avalanche de ONGs (Organizações Não-Governamentais) e campanhas na mídia que falavam de sexualidade. Ainda assim, o debate sobre os modelos de prevenção, o papel das escolas, dos governos, da mídia e das famílias continua em pauta. "A discrepância entre a prática e os desejos da população passam por razões diversas na rede pública e particular. Tem que existir, em primeiro, uma vontade política (por parte dos governantes) de assumir programas desse tipo. Isso implica reconhecer como prioridade investimentos na área da saúde e educação da criança e do adolescente", define o Guia.

O que é educação sexual

Cabe, em primeiro lugar, definir Orientação Sexual. Segundo o programa Multirio, do Governo do Rio de Janeiro, a Orientação Sexual caracteriza-se, inicialmente, "por um conjunto de orientações desenvolvidas de forma assistemática sobre sexualidade". Este processo, prossegue o texto publicado na página governamental, "é global, não intencional, e envolve toda a ação exercida sobre o indivíduo, no seu cotidiano, desde o nascimento, com repercussão direta ou indireta sobre a sua vida sexual, ao longo da vida".

A Educação Sexual, de acordo com o Multirio, pode ser tanto informal quanto formal. A informal, surge no seio da família e tende a reproduzir nos jovens, conforme o órgão carioca, os padrões de moralidade, numa dada sociedade. Além disso, a veiculação de informações citadas pelos meios de comunicação de massa (jornais, revistas, TV, rádio, etc) também podem ser consideradas partes integrantes de uma educação informal sobre sexualidade.

A Educação Sexual considerada formal, por outro lado, "ganha o espaço institucional das escolas e centros comunitários, sob a forma de ações, programas e projetos deliberados. Esta abordagem também pode reafirmar conceitos ou, numa segunda visão, promover a difusão de informações relativas à sexualidade, acompanhadas de questionamentos e discussão sobre a sexualidade", explica o órgão governamental.

Estes conceitos vão se subdividindo e tornando-se ainda mais complexos na explicação do Multirio. Eles distinguem, por exemplo, dois novos conceitos de educação sexual, segundo outros autores: o primeiro se denomina intelectual e preocupa-se com conceitos e clarezas de definições. O outro é mais combativo e procura recrutar para as lutas mundiais de transformação dos padrões de relacionamento sexual.

O programa de Educação Ambiental e Saúde da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro considera a educação sexual como "o conjunto de teorias ou práticas, formais ou informais, que abordam, numa perspectiva educativa, aspectos da sexualidade humana com crianças e adolescentes". Para a secretaria carioca, o objetivo de um trabalho de educação sexual é "permitir que crianças e adolescentes entendam a sexualidade como aspecto positivo e natural da vida humana, propiciando-se a livre discussão de normas e padrões de comportamento em relação ao sexo e o debate das atitudes pessoais frente a própria sexualidade".

Segundo o Guia de Orientação Sexual, o trabalho de Orientação Sexual procura "ajudar crianças e adolescentes a terem uma visão positiva da sexualidade, a desenvolverem uma comunicação clara nas relações interpessoais, a elaborarem seus próprios valores a partir de um pensamento crítico, a compreenderem o seu comportamento e o do outro e a tomarem decisões responsáveis a respeito de sua vida sexual, agora e no futuro".

A AIDS como justificativa para a Orientação Sexual

Com o advento da AIDS, ficou mais do que evidente a necessidade de investimentos em prevenção, visto ser esta a única forma disponível para conter a epidemia. A Orientação Sexual ganhou força como política pública de saúde a partir desta realidade, sendo necessário, portanto, entender sua extensão e impacto na disseminação deste tema nos currículos escolares e nas conversas em família, além da sua constante presença na mídia. Na dissertação de Mestrado "Escola e AIDS: Um olhar para o sentido do trabalho do professor na prevenção à AIDS", na PUC/SP, do psicólogo Marcelo Sodelli, diretor técnico do Netpsi - Núcleo de Estudos e Temas em Psicologia, consta que o Ministério da Saúde, em 1996, divulgava que o Brasil contava com 62.634.791 habitantes com idade entre 5 e 24 anos, sendo que 47 milhões são alfabetizados e 15 milhões não freqüentam a escola.

Por outro lado, a partir do segundo boletim epidemiológico de 1999, Marcelo mostra que dos 155.590 casos de Aids notificados desde o início da epidemia até fevereiro daquele ano, 41.678 referem-se às faixas etárias compreendidas entre o nascimento e a idade de 29 anos e a maior parte dos casos vêm ocorrendo entre pessoas de 20 a 40 anos de idade, sendo que a transmissão do HIV vem ocorrendo principalmente pela via sexual e através do uso compartilhado de seringas ou agulhas entre usuários de drogas injetáveis.

Paralelamente, explica Marcelo, a gestação indesejada na adolescência vem aumentando consideravelmente, o que desencadeia um maior número de abortos e amplia a problemática entre as adolescentes de baixa renda. Além disso, a alta incidência das DSTs nesta faixa etária indica a prática sexual desprotegida, ou seja, sem uso de preservativo.

"Analisando todos estes dados, percebemos que os adolescentes têm se mostrado despreparados para elaborar assuntos referentes à sexualidade, criando barreiras para a promoção da sua saúde sexual, tornando-se mais propensos à sérios problemas", considera Marcelo, que já trabalhou em diversos programas de Orientação Sexual e de Prevenção à AIDS. Em sua tese, ele indica que "a falta de diálogo familiar, a crescente oferta de drogas (lícitas e ilícitas), a sensação de invulnerabilidade, a suscetibilidade às pressões grupais, e a transgressão são alguns aspectos determinantes da vulnerabilidade individual, institucional e social dessa população".

Como solução, Marcelo levanta que, baseado em todos estes dados, a escola é o melhor espaço para realizar trabalhos preventivos para esta faixa etária. Ele lembra, em sua tese, o que afirma o Ministério da Educação:

"Devido ao tempo de permanência dos jovens nas escolas e às oportunidades de trocas, convívio social e relacionamentos amorosos, a escola não pode se omitir frente à relevância dessas questões, constituindo-se em local privilegiado para a abordagem da prevenção às doenças sexualmente transmissíveis / AIDS ."

Marcelo lembra ainda que também a Organização Mundial de Saúde (1989) considera que a escola é um dos principais centros para a educação no setor de saúde. "Ao criar esse espaço de socialização do saber, estaria contribuindo para a promoção e divulgação de medidas preventivas ao combate à AIDS", diz.

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